domingo, 7 de agosto de 2011

Resenha do livro "Redação Publicitária: Teoria e Prática" do Professor Jorge S. Martins



O manual "Redação Publicitária: Teoria e Prática" (1997), do professor
Jorge S. Martins, merece destaque por ser um dos poucos escritos com
fundamentação nas pesquisas em lingüística e semiótica, dirigidas contra
as chamadas improvisações de linguagem, em capítulos como “Evolução
da linguagem publicitária” e “Origem da força
 da linguagem publicitária”.

Além de ser uma fonte de consulta e orientação, considerada mais atual
e consistente por Vianna, também faz parte do pequeno número de
livros sobre o tema que descreveu a história da publicidade no Brasil,
ainda que em consonância com os acontecimentos tidos como oficiais
apenas no país e com o desenvolvimento dos meios de comunicação,
à parte da “história do mundo” ou de outros elementos quaisquer. É o
que fica patente em partes como “Antecedentes históricos” e “Fases da
publicidade brasileira”.

Os demais manuais de publicidade destacados no meio acadêmico, ou
não tratam especificamente de linguagem e historicidade, como Tudo
que você queria saber sobre propaganda e ninguém teve paciência para
explicar (1989), em que é apresentada a atividade nos departamentos e
alguns casos de propagandas famosas; ou, quando tratam de linguagem
e historicidade, o fazem menos detidamente, sem recurso aos estudos
de lingüística e semiótica, por exemplo, como Teoria, técnica e prática da
propaganda (1973). Já os códigos de ética sobre a atividade publicitária
não mencionam especificamente a historicidade da publicidade brasileira,
mas sim o tema da linguagem, como nos pontos II e III da parte “O código
de ética dos profissionais da propaganda”, n’A Legislação da Propaganda;
nos parágrafos 2°-Alegações e 6°-Nomenclatura, Linguagem, “Clima”,
do Artigo 27, na Seção 5-Apresentação Verdadeira, do Código Brasileiro
de Auto-Regulamentação Publicitária; e no parágrafo 1° do Artigo 37, na
Seção III-Da Publicidade, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Compreendo então política de língua à maneira de Eni Pulcinelli Orlandi,
ou seja, como a manifestação do discurso declarado, segmentado como
oficial, e o efetivamente aceite ou praticado, em relação a outros possíveis

que não foram evidenciados porque correspondem a outros recortes,
constructos teóricos possíveis, relações de sentido em descontinuidade
linear ou causal na história das idéias tornadas oficiais.

Tal política lingüística pode ser avaliada com base no manual de Jorge
S. Martins, mestre em lingüística e semiótica pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, instrutor de cursos de língua portuguesa e redação,
com experiência profissional na área de publicidade na Bahia, em 1997.
Se neste manual a política de língua diz respeito à historicidade da
publicidade brasileira às voltas com o purismo da linguagem e com a
ética da profissão, é possível inferir que tanto ele quanto os códigos
sustentariam a suposição da transparência da língua ou de uma realização
efetiva da comunicação. Hipótese que, com a análise da historicidade
da publicidade no manual selecionado e da veracidade em propaganda
nos códigos mencionados, não procede quando se trata da atividade
publicitária. Isto, porque cada efeito de sentido produzido no público é
antes um “mal entendido bem sucedido”, no dizer de Lacan. Do consumo
à indignação, nunca haveria, assim, o reconhecimento de uma verdade a
priori, unívoca, universal, absoluta e, portanto, impossível de haver senão
construída historicamente.

No que concerne ao purismo lingüístico, este é compreendido como
a perspectiva dos estudiosos para os quais o texto publicitário deve
preservar a norma culta da língua portuguesa, rejeitando as expressões
populares e os estrangeirismos como empecilhos da comunicação das
mensagens textual e visual, para um suposto público mais simples,
ignorante.

Martins, por exemplo, é um dos que defende a correção da linguagem nas
mídias impressa e eletrônica. Para ele, deve haver o “uso moderado de
erros” inseridos nos “hábitos lingüísticos do registro coloquial”, a fim
de “produzir determinados efeitos” de sentido, da persuasão ao consumo.
Por outro lado, entendo que há uma perspectiva não purista em relação à
linguagem publicitária, verbal e não-verbal, como o uso de expressões
populares e estrangeiras, sem prejuízo para a produção de sentido mais
adequada, útil. Sobre isso, concordo com Roberto Menna Barreto,
publicitário e antigo professor na Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, para quem: “Desmistificar-se é perder o medo,
(...) duvidar profundamente de todas as regras e partir para o caso real,
específico, e sua solução”.

Quanto ao que é prescrito nos manuais e códigos, e o que ocorre nos
anúncios brasileiros, por exemplo, menciono a crítica de José Luiz Fiorin,

lingüista e professor na Universidade de São Paulo, dirigida ao projeto de
lei de Aldo Rebelo, deputado federal paulista do Partido Comunista do
Brasil. Em entrevista concedida à jornalista Eliane Azevedo, para o Jornal
do Brasil, em março de 2002, Fiorin afirma que o projeto que prevê multas
para os estrangeirismos, sobretudo no que se refere à produção e
publicidade de bens e serviços, não passa de nacionalismo xenófobo, um
equívoco político do deputado. Assim, o que seria o principal problema
lingüístico decorrente da assimilação de termos estrangeiros, uma
possível “dificuldade de comunicação para o homem simples do povo”,
antes caracterizaria uma espécie de preconceito quanto à capacidade
imediata de aprendizagem de palavras novas por parte da população
brasileira. Contudo, Fiorin também propõe uma política de proteção do
português menos vaga que aquela do projeto do deputado. Além disso,
ele admite a tentativa da hegemonia da língua norte-americana no país e
em boa parte do mundo supostamente globalizado em termos de
economia, embora associe mais o uso do inglês aos shoppings e à
informática no país, afirmando que “...quando uma parte do léxico passa a
ser importante para uma pessoa, ela aprende...”. Afinal, contrariando a
crítica purista endereçada à linguagem textual na publicidade, os
estrangeirismos, sobretudo os atuais norte-americanos, não seriam
insuficientes para caracterizar uma dificuldade de comunicação do
público simples, uma vez que parecem contribuir sincronicamente para a
garantia de um efeito de sentido oportuno e intensificado ou
diacronicamente para a inevitável reelaboração do léxico pelos homens? É
o caso de vocábulos “aportuguesados” ou não, como xampu e diet, entre
outros difundidos, por exemplo, através de propagandas.

Em relação ao tema da historicidade, considero a história produzida como
oficial em relação aos eventos que lhe deram um corpo e não outros, ou
seja, como uma “posição resolutamente historicista”, no dizer de Sylvain
Auroux, ou melhor, sem pensar a história da publicidade no Brasil
como “uma questão de origem e esperar dela a explicação do que existe”,
como assinala Paul Henry. Procuro então compreender a historicidade da
nossa publicidade à semelhança do que afirma Michel Foucault, a partir
da “genealogia do poder” que se opõe à suposta condição da história
como exterioridade, espécie de ente que, de uma posição imaginariamente
privilegiada determinaria sentidos e finalidades para os eventos. Martins,
em seu manual de redação publicitária, subdivide então a história da
publicidade em três momentos: de 1808 a 1891, de 1891 até por volta da
primeira metade do século XX, e da segunda metade do século XX aos
dias de hoje.

Contudo, Martins parece vincular o advento da publicidade a datas e

eventos históricos nacionais e internacionais tomados como oficiais. Ele
destaca na primeira fase, por exemplo, o advento da imprensa no país,
os reclames ilustrados com charges e fotografias que imitavam o modelo
francês, anunciando escravos e outras “peças”, além da fundação da
Empresa de Publicidade e Comércio.

Na segunda fase, ele cita a contribuição inicial de intelectuais brasileiros
(escritores, poetas, artistas, jornalistas) e a expansão das mídias
eletrônicas (rádio, cinema, televisão), bem como a introdução de houses,
agências no estilo americano.

Já na terceira fase, Martins ressalta a profissionalização brasileira, por
contrato externo ou vínculo com agências e a consolidação de cursos de
publicidade. Mas, por que não pensar tal historicidade menos por uma
melhoria técnica em termos de imprensa (1ª fase), intelectuais (2ª fase) e
profissionais (3ª fase), e mais por um contágio com outros elementos?
Valeria uma pesquisa sobre a relação com a arte impressionista, as
litogravuras, a fala dos “brasileiros” (1ª fase); a linguagem das novas
mídias além da impressa (rádio, cinema, televisão na 2ª fase); e o caso da
legitimação dos cursos de publicidade, e da linguagem das propagandas
na multimídia da Internet (3ª fase). Aliás, nessa última fase em que
vivemos, os publicitários passam a exportar a técnica da publicidade para
a ex-colônia portuguesa e para o mercado espanhol.

Concordando com Dominique Maingueneau, concebo então prática
discursiva como a materialidade da linguagem publicitária, e considero
prática não discursiva como a expressão social ou institucional da
publicidade. Mas amplio essa compreensão para uma
perspectiva “microfísica”, no dizer de Foucault, quando relaciono o efeito
de sentido nos anúncios elaborados à não relação necessária com uma
verdade natural nem previamente concebida.

Nesse sentido, o próprio Martins dedica partes de seu manual para
defender a preservação de nossa língua, como “Vamos preservar a língua
nossa de cada dia”, e para o ensino de “Como aproveitar clichês” com
base em ditados populares, ou da “Ambigüidade e polissemia” para
um presumido enriquecimento do sentido das mensagens. De modo
algum ele se pergunta sobre a inevitável dispersão da significação nas
propagandas em que os publicitários tentam contornar as características
nocivas de alguns produtos, por exemplo, como bebidas ou cigarros.
Paradoxalmente, nenhum apelo à veracidade das mensagens verbal e
visual parece ser claro nesses casos, em detrimento das advertências
nos códigos, confirmando a hipótese da não transparência da linguagem
publicitária.

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