Em escritura registrada em cartório, autor do projeto do Cristo cedeu à
Igreja os direitos autorais da obra.
RIO - Em sua edição
vespertina das 18h, no dia 12 de outubro de 1931, a notícia da
inauguração da maravilha de 1.145 toneladas, revestida por pequenos triângulos
de pedra-sabão, ocupava toda a primeira página do GLOBO. A manchete do jornal
reproduzia as palavras do então cardeal-arcebispo do Rio, dom Sebastião Leme,
ao aspergir água-benta na base do monumento: "Christo reina, impera e
livrará o Brasil de todos os males". Com a presença de Getúlio Vargas,
chefe do governo provisório, a solenidade foi o ponto alto de uma intensa
programação, que começou no dia 4 e só acabou na noite de 12 de outubro, quando
o Cristo foi iluminado, entrando definitivamente para a história da cidade. Uma
das sete novas maravilhas do mundo, a estátua de 30 metros de altura,
erguida em concreto armado sobre um pedestal de oito metros no alto do
Corcovado, 710 metros
acima do nível do mar, faz 80 anos nesta quarta-feira, mais brasileira e
carioca do que nunca.
(Reprodução e acervo Eloy D’ Ecanio)
Afinal, o Cristo foi
imaginado em 1921 para festejar o centenário da Independência do Brasil (1922),
mas o prazo exíguo impediu que ficasse pronto a tempo. Foram cinco anos para
obter autorizações, escolher e detalhar o projeto. E mais cinco para erguer a
estátua. Ele foi construído com dinheiro dos brasileiros, arrecadado através de
uma campanha liderada por dom Sebastião Leme, considerado "a alma do
monumento". Documentos inéditos obtidos pelo GLOBO e fotos da época
mostram que a construção seguiu a concepção do engenheiro e arquiteto carioca
Heitor da Silva Costa. O projeto original, escolhido em concurso promovido pelo
Círculo Católico - associação que reunia leigos católicos - apresentava o Cristo
segurando o globo terrestre na mão direita e uma cruz na esquerda, mas foi
modificado pelo próprio Silva Costa, a pedido da Igreja.
Os cuidados da Igreja
para resguardar direitos sobre o Cristo levou à elaboração de uma escritura
pública. É o documento, assinado por Silva Costa em cartório, em 26 de junho de
1925, que, segundo a diretora jurídica da Arquidiocese do Rio, Claudine Milione
Dutra, põe por terra o pleito de parte da família do escultor francês Paul
Landowski - um dos colaboradores do monumento - que reivindica na Justiça
direitos sobre a imagem do Cristo.
Na cláusula segunda
da escritura, o construtor cede os direitos autorais do projeto à Comissão do
Monumento ao Cristo Redentor, sucedida pela Ordem Arquidiocesana do Cristo
Redentor e pela Mitra Episcopal do Rio. A cláusula seguinte trata da
contratação do escultor: obrigava Silva Costa a obter a transferência dos
direitos autorais de Landowski para a comissão, sob pena de rescisão do
contrato.
- Os direitos morais
daqueles que colaboraram na construção estão preservados. Porém, os outros
direitos foram cedidos à Arquidiocese - diz Claudine. Se são grandes as dificuldades que enfrentamos, maior será a fama dessa
obra colossal.
O Cristo é resultado
de um trabalho de equipe. Silva Costa é autor do projeto e construtor.
Os desenhos levam a
assinatura do pintor e gravurista Carlos Oswald. O engenheiro Heitor Levy foi o
mestre geral. Pedro Fernandes Vianna da Silva, homem de confiança da igreja,
ficou responsável pela fiscalização.
Em 1924, com
desenhos, estudos e maquete nas mãos, Silva Costa esteve na Alemanha, na Itália
e na França. Optou por contratar Landowski. Ainda em Paris, escolheu Albert
Caquot para os cálculos estruturais.
Esculpidos em tamanho
natural por Landowski na França, os moldes da cabeça e das mãos foram enviados
ao Brasil em pedaços. No
sítio de Levy, em São
Gonçalo , foram transformados em peças de concreto. Para
Landowski, foi encomendada ainda uma maquete de gesso com quatro metros de
altura, que, cortada em pequenas peças, permitiu a ampliação da estátua para o
modelo final, reproduzido em 16 quilômetros de plantas.
Embora o Cristo e o
Corcovado pareçam inseparáveis, o monumento poderia estar hoje no alto do Pão
de Açúcar, se tivesse prosperado a primeira sugestão do general Pedro Carolino
Pinto de Almeida, numa assembleia do Círculo Católico. Poderia ter sido
construído ainda no Morro de Santo Antônio, no Centro. Com a escolha do
Corcovado, o mirante conhecido como Chapéu do Sol, que ficava no alto do morro,
precisou ser remanejado para uma área próxima. Na década de 40, a estrutura foi
desmontada e removida.
Nos mapas do século
XVI, o morro onde foi erguido o Cristo era chamado de Pináculo da Tentação,
termo criado por navegadores em alusão ao monte onde o demônio teria tentado
Jesus pela segunda vez. O nome atual surgiu no século XVIII. O padre lazarista
francês Pierre Marie Boss, que aportou no Rio em 1859, foi o primeiro a lançar
a ideia de um Cristo no Corcovado. No livro "Corcovado, a montanha de Deus",
Jorge Scévola de Semenovitch conta que, nos últimos anos do Império, Boss levou
a sugestão à princesa Isabel. O padre morreu em 1916 sem ver seu sonho
concretizado.
Símbolo inconteste da
cidade do Rio de Janeiro, o Cristo foi eleito, em 2007, uma das sete novas
maravilhas do mundo. E hoje figura ao lado da Grande Muralha da China; da
cidade helenística de Petra, na Jordânia; da cidade inca de Machu Picchu, no
Peru; da pirâmide de Chichen Itzá, no México; do Coliseu, em Roma; e do Taj
Mahal, na Índia. Há cinco anos, ele é também um santuário.
- Hoje, o Cristo
integra as forças turística, ecológica e religiosa - diz o padre Omar Raposo,
reitor do santuário.
Para o arcebispo do
Rio, dom Orani Tempesta, 80 anos depois de sua inauguração, a simbologia do
monumento mudou:
- Uma coisa era o
período pós-Primeira Guerra Mundial. Hoje, há preocupação com a violência, a
inconstância. No dia 12, vamos recordar que, neste mundo de tantas
controvérsias, de tamanha violência, temos alguém que é colocado no alto do
Corcovado, num sinal de acolhimento, de vida, de salvação e de preocupação com
o outro.
Publicada em 06/10/2011 às 21h04m
Ludmilla de
Lima (ludmilla.lima@oglobo.com.br) e Selma Schmidt (selma@oglobo.com.br)